sábado, 24 de agosto de 2013

A "Tenda do Umbú" e as motos - Uma questão de morte ou vida

"Nazaré", minha amada XLX 250 R, 1987, pedia manutenção no carburador aos seus 70.000km. Coisa de rotina, nada de espantar. Sábado passado, lá fui eu resgatá-la, mais uma vez me deixando inebriado com seu som de trator. Sei lá... Cada vez que ela volta do mecânico, sinto como se fosse nova, e deixar um pouco de lado a minha pesada big trail para voltar à ela, é sempre recompensador. 

Mas não é para falar da Nazá esse post, tampouco para vangloriar suas qualidades. Hoje me vejo obrigado a falar de uma questão de morte e vida. Porque perverto a "ordem" da sentença e não digo vida ou morte como todos? Porque, em tese, acredito que todos nós, enquanto não decidimos por viver efetivamente, estamos todos mortos...


E foi sobre morte o papo com o desconhecido na oficina. Cheguei quando o mesmo mostrava ao mecânico, "empolgado", algumas fotos no celular. O mecânico, apavorado, balbuciava: "Mas virou um "s"...". Dali já vi que boa coisa não tinha naquele aparelho, e um sentimento ruim já me bateu. O que poderia ter virado um "s" e que outra coisa se não uma moto acidentada o cara estaria mostrando em uma oficina de moto? Preocupado, dizia que a moto estava numa concessionária "k" qualquer, que a moto tinha sei lá quantas centenas de cavalos e que o seguro, se é que tinha, bem, deveria investigar. Afinal, disse ele, a moto estava financiada. 

Pela preocupação do cara, não pude deixar de intervir, perguntando, de saída, o óbvio: 

- O piloto morreu. É isso?
- É... O cara não venceu a curva e passou reto em direção ao guard rail. Devia estar a uns 160 km/h. 
- Como assim? O cara saiu de que moto prá pegar essa esportiva? Mas não tinha experiência com speeds?
- Cara... Ele saiu de uma srad... Pegou essa outra na sexta e no sábado se acidentou... Ia lá para a Tenda do Umbú, você sabe...
- Sim... Entendo. 

O que pega é que a tal de "Tenda do Umbú", é um ponto de referência de motociclistas aqui no Rio Grande do Sul. Meio que na metade da subida da serra, são só coisa de 60 e poucos quilômetros da capital. Com trânsito bom - e um pouco de loucura - em menos de meia hora se chega.

Acontece que estamos no inverno. E serra é sempre serra. Curvas boas de se fazer? Sem dúvida! Mas por vezes o afobado não se recorda que é nessa época, sobretudo nas primeiras horas da manhã, que embaixo das àrvores o sereno se acumula e forma verdadeiras armadilhas "ensaboadas", quando nenhuma moto com ABS, controle de tração ou o que o valha, serve para alguma coisa quando se abusa da velocidade. E, ah... Como é difícil não querer fazer uma das curvas - ou melhor, todas! - rápido e o mais "deitado" possível. O melhor, claro, é nunca abusar, para não ficar deitado para todo sempre, num "terno de madeira".

Enfim... Aquele papo me fez mal, e, depois das devidas orientações "jurídicas" ao preocupado com a saúde financeira da viúva, sua prima, peguei a minha velhinha e fui prá casa com um certo "medo" da Tenda do Umbú. 

Eu sabia que aquele fantasma, daquele cara que eu nem soubera o nome, iria me "torturar" por um bom tempo, até eu resolver fazer algo, até que... A não ser que eu fosse até a maldita Tenda do Umbú!

E no dia seguinte, foi o que fiz. Montei na Buell e lá fui eu gastar um pouco mais as laterais dos pneus. 

A medida que eu ia subindo, sem exagerar na velocidade e sem querer ser Valentino Rossi - até porque aquilo não era, em definitivo - um circuíto de corridas, "jáspions" passavam zunindo por mim, como se precisassem chegar antes. A maioria sem equipamento adequado, só de camiseta e calças jeans, com uns tênis qualquer nos pés, parecendo que enfiaram tanto dinheiro em cima da moto que faltou para o básico: o macacão. Já eu, com o traje completo, dava uma buzinada a cada carro que me dava passagem, agradecendo ainda com um aceno. Os motoristas, coitados, acostumados com a falta de educação e truculência de muitos motociclistas, nem esboçavam muita reação e, se a tinham, era de espanto. 

Cheguei a tempo de ver os que me ultrapassaram muitos minutos antes, entrando na Tenda com suas motos, olhando para os lados como que buscando aprovação, sabe-se lá de quem ou para quê. Parei a minha, subi no 2º andar da "Tenda" (que de tenda já não tem mais nada, sendo hoje um enorme sobrado) para tirar algumas fotos e me vim embora. Sei lá. A Tenda do Umbú perdeu a graça. E faz tempo... Prá mim virou lugar de quem quer mostrar sua moto nova, isso quando consegue chegar até lá, sendo que, por alguma desconhecida razão, as que mais pululam são as "RRs".

Desci a serra aliviado. Eu tinha matado o "fantasma" e estava VIVO! Finalmente!

Agora, além de tudo, eu tinha uma certeza: tinha de levar adiante meus sonhos! Pois, afinal, acredito que todo mundo passa por nossa vida por algum motivo, ainda que seja para simplesmente contar uma história ruim, de morte, que faz você se sentir, por alguns minutos, dias ou às vezes até meses, mal. Lembrei de quantos amigos e conhecidos perdi nas malucas estradas em cima de uma moto - muitas vezes só por estarem na hora errada, no lugar errado - e vi que eu não podia mais deixar de fazer o que gostava, tivesse isso o custo que fosse.

Cheguei em casa, antes de minha esposa - que havia também aproveitado para dar um passeio - parei a moto e refiz meus planos, fortalecendo minhas certezas.

Quando ela chegou, perguntou se foi bom o passeio e, porque, afinal, eu voltara tão cedo?

- Eu fui, cheguei lá, e voltei! - respondi na minha simplicidade prática, quase irritante.


E então ela me fez a pergunta fatídica:

- Se fosse seu último dia, o que você gostaria de fazer? 

Engoli seco, contive toda e qualquer lágrima e respondi de forma dura e direta:

- Queria estar contigo, abraçar meu filho e... ... andar de moto.

Naquele momento as lágrimas não correram. Mas, que raios... Toda vez que escrevo, é sempre mais dífícil! Eu lembro dos que se foram, eu lembro de tantas viagens, de tantas histórias e tantos momentos - tipo que ainda essa semana enfiei mão e pé no freio, parando com uma "suave" porrada do pneu dianteiro da minha moto na roda daquele carro vermelho que deixou um rastro de borracha pela brusca freada que deu - e, por fim, de novo dos meus sonhos, que eu vejo que não posso ficar morto, enquanto vivo. E enquanto vivo, tenho de seguir com meus projetos em frente. 

Não é a Tenda do Umbú que te mata ou te torna vivo. Não são, tampouco, as motos. São as curvas que te fazem chegar - ou não - até lá. A Tenda do Umbú é
só mais um lugar, mais um ponto de referência. E deve continuar lá, quer você chegue, ou não. Mas se você não chega... Então, de um jeito ou de outro, você já está morto mesmo! Se você quer realmente viver, precisa enfrentar as curvas que lhe aparecem, com cautela, sabendo o que está fazendo, sem abusar da sorte, sem achar que você é o máximo, o bonzão. Prestando atenção, você chega lá. Chega onde quiser realmente chegar. O que não dá, é deixar de ir. Aí não se chega, de jeito nenhum! Seja na Tenda do Umbú, seja para realizar o que precisas para estar, definitivamente, vivo. Uma curva depois da outra, com calma, mas com a decisão firme de quem sabe para onde está indo. De quem sabe o que realmente quer alcançar na vida. E cada um de nós tem sempre suas Tendas dos Umbús, seus pontos de referências, sonhos, lugares onde quer chegar. E também tem sempre pelo caminho seus fantasmas, que sempre querem nos assustar e frear nosso avanço.


Afinal, como digo, tudo na vida é sempre uma questão de morte ou de vida.

E eu, particularmente, prefiro invariavelmente a segunda opção!

A todos meus leitores, desejo boas estradas e que terminem todas as curvas que enfrentarem na vida! De cabeça erguida e cada dia mais vivos! Não se entreguem, até que a última faísca da vela de seu motor se apague. Os covardes morrem muitas vezes... Você, só morrerá uma.     

Desde que pare de só sonhar e faça o que tem de ser feito. 

Eu vou fazer! E você? 

Até breve!


Crédito das fotos, fora de ordem:
tendadoumbu.com.br - em 1963...
gastropasseio.blogspot.com.br
eurobikeexperience.com.br
renatasp.com.br
fotos particulares

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