segunda-feira, 24 de maio de 2010

Afinal, quem é o surdo-mudo aqui?

Vladimir Yarets é motociclista. Ou motoqueiro... Tanto faz!
Marcelo Resende também é motoqueiro. Ou motociclista... Tanto faz!
Vladimir Yarets ouve coisas que Marcelo Resende não escuta.
Marcelo, escuta coisas que Vladimir não ouve. Às vezes, como eu e você, Marcelo escuta de menos. Às vezes, como eu e como você, Marcelo fala demais.
Vladimir NUNCA fala demais! E sempre está atendo ao que tens a dizer.
As histórias que Vladimir tem para contar, lhe deixam horas e horas absorto, enquanto viajas com o mesmo nas inúmeras aventuras que desfia.
Vladimir Yarets é motociclista, russo e surdo-mudo a não mais poder. Não ouve absolutamente nada, assim como não emite por sua boca som algum.
Fico me perguntando com essa história/relato que li do Marcelo, não quem é o louco, mas quem é o verdadeiro surdo-mudo aqui...
Vladimir Yarets escuta mais do que muita gente, e tem muito mais para falar do que muitos de nós.
Marcelo tem alguma coisa em comum com Vladimir. E não é só o fato de ser motociclista.
Assim, Marcelo acolheu Vladimir em sua casa. E ouviu muitas coisas que precisava ouvir...
Hoje o espaço é do Vladimir. E do Marcelo, que nos apresenta essa ímpar figura!

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Por Marcelo Resende

“Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.”
Às vezes, tudo o que tem que ser dito o é sem nenhuma palavra.
Às vezes, um segundo que antecede um acidente pode mudar nossas vidas.
Às vezes, em 5 horas em contato com uma pessoa dá para perceber que Deus realmente coloca anjos aqui na Terra.
Cheguei para almoçar em casa. Abri a porta e vi um par de botas com um russo dentro delas a dormir no sofá. Ao lado, dormia o meu filhote Dudu (agora, Duduzóviski).





Acordei o chupa-cabra para almoçarmos juntos.
O russo Vladimir Yarets, 69 anos, é surdo-mudo e está dando a volta ao mundo de moto. Já rodou mais de 430.600km. Partiu da Bielorrússia em 27/05/2000, deixando família e filhos.
Achei que bastaria escrever em inglês ou espanhol que ele entenderia. Putz....é bem verdade que idioma não é o meu forte e só falo bem a “linguagem universal do amor”, mas ele não entendia nada que eu escrevia.
Eu precisava saber quantos dias ele iria ficar lá em casa, o que queria fazer etc. Então a solução foi o Google Translate. Ele disse que não poderia dormir em BH, pois tinha prazo curto para chegar em Belém.
Almoçamos juntos lá em casa.
Até então, ela era um ser humano comum. Educado, simpático.
Mas após o almoço ele abriu suas pastas com mapas e álbuns e começou a me mostrar sua história, falar da sua família. Não me pergunte como, mas já conversávamos sem o Google numa boa. Ele me repreendeu pela minha “barriguinha”. Me ensinou alguns exercícios russos para vigor.
Nesse momento eu percebi que eu não estava “conversando” com um mortal. O cara, dentro de toda sua humildade, me mostrava a sua história. Interessante é que eu praticamente já escutava a sua voz. E eu imaginava quantas pessoas têm voz e só falam merda ou só usam as palavras de forma agressiva. Quantos têm ouvidos mas não escutam o que os semelhantes dizem. Pensava também sobre como o meu, já amigo de décadas, Vladimir Yarets, conseguia pilotar uma moto sem escutar o barulho do motor, da natureza e dos outros veículos.
A paz já tinha tomado conta da sala.









Fomos à garagem para ver a moto dele.
Não adianta querer fazer nenhum comentário: simplesmente olhe com calma:




Nem cigano consegue carregar tanta coisa ao mesmo tempo. Manobrei a moto: tarefa árdua para quem não tem a “força” russa.

Seguimos para a BMW Euroville, onde iriam dar uma olhada rápida na moto para ele partir para Belém, com parada em Brasília.







Antes de dar a partida, ele colocou as mãos na GS 650 dele e indicou que era a melhor moto do mundo.
Com muita dificuldade ele vencia as subidas, descidas e curvas de Belo Horizonte. Não consegue inclinar a moto quase nada em função do peso e da posição das malas.
Chegando à Euroville, não precisa dizer que a concessionária parou para conhecer “o russo que está dando a volta ao mundo”.
As infinitas fotos já o estavam atrapalhando, pois ele queria partir logo, uma vez que prefere não pilotar à noite.
Eu tive a honra de indicar a saída da cidade e acompanhá-lo por uma centena de km de estrada. Prudência acima de tudo. Educação no trânsito. Quem tem que ir longe realmente não pode ir rápido.



Parei na estrada para me despedir.
Putz....sem nenhuma palhaçada: aquele cara já era amigo meu desde criancinha.
Fiz o sinal da cruz no seu capacete. Ele enfiou a mão na minha jaqueta, colocou a mão no lado esquerdo do meu peito e ficou um tempo assim, de olhos fechados.
E o anjo montou na moto e foi embora.
Fiquei ali na beira da estrada algumas dezenas de minutos. Todo mundo deveria ficar sentado à beira da estrada alguns minutos.
Por que ele é um anjo? Numa boa; não faço a menor idéia.
Mas que o Vladimir tem uma energia diferente, ele tem. Só tendo a oportunidade de ficar sem “oba oba” ao lado dele para poder perceber.
Doido? Absolutamente não. Ele aprende coisas novas todos os dias. Ele se integra diariamente e absolutamente com as duas mais preciosas criações de Deus: o ser humano e a natureza.
Tá vendo? Quem é o doido?


Marcelo Resende - BH/MG
GSA - Airbus
XT660 - Tatu bolinha

http://www.marceloresende/.multiply.com



Mais sobre o Yarets e sua viagem em:
http://yarets.com/?page_id=22

segunda-feira, 17 de maio de 2010

O mal da vida é não andar de moto


Hoje estou me sentindo um pouco mal... Certamente algo que comi (ou bebi) demais ou de menos.

A primeira coisa que pensei, com uma dor de cabeça desgraçada, que me acompanhou durante toda a noite, foi: e se eu hoje estivesse com minha família, em hotel meio fuleiro, lá pelo meio da América Central, e não tivesse outra escolha a não ser ir deste para hotel um pouco melhor, alguns quilômetros adiante? Levantaria e seguiria assim, meio mal como estou, para seguir sobre a moto? Ou ficaria ali até melhorar?


É este o meu projeto para o futuro. Pegar a esposa, o filhote e rodar o mundo em duas rodas. Ele comigo? Minha esposa em outra moto? Eu com minha esposa em uma moto? Ele em outra? Cada um em sua própria moto? O que importa? O importante é irmos todos de moto!


De imediato, ao pensar sobre isto, tive uma leve melhora. Certamente eu subiria na moto, um pouco mais contente, e iria atrás do tal de hotel, da nova cidade, como em busca de nova vida.


Há dias em que o trabalho deveria ser facultativo. Há dias que, mesmo sem atestado médico, o ser humano deveria ter a alternativa de ir ou não laborar as 8 horas diárias. Pois não é raro que uma simples andada de moto melhore bastante o seu dia.


A cabeça e os olhos ainda pesam, o estômago ainda está meio revirado... Minha casa fica há 5 minutos a pé do meu trabalho. Mas quer saber? De tarde dou uma volta maior, só para fazer de conta que moro mais longe, e venho trabalhar de moto! Se isso não me fizer melhorar, então mais nada irá.


O mal da vida, é não andar de moto.