O Motoqueiro e a Ambulância
O que raios tem um a ver com o outro, você deve estar se perguntando, não é mesmo?
Ultimamente tem “me caído os butiás do bolso”, na melhor expressão gaudéria. Fico cada vez mais impressionado com o que tenho visto no trânsito dessa nossa capital sulista, que não varia muito do que ocorre em outras cidades “desenvolvidas”, ainda que eu pense que tal “desenvolvimento” não é bem como se deveria qualificar esse caos urbano (mas isso é outra discussão).
Já é a segunda vez que vejo isso só esta semana. E olha que ela nem acabou ainda...
Embaraçado com a “big trail” no meio dos carros, parado num dos semáforos, vi lá adiante tentando “furar” legalmente o outro semáforo uma ambulância com seus “giroflex” a mil, fazendo a sirene gritar alto. Nitidamente desesperado, o motorista da van tentava enfiá-la onde não cabia. Sim. Aquilo era realmente uma emergência, e das grandes!
Agora o motivo do meu estarrecimento: você acha que alguém deu passagem?
Quando eu andava de carro e não tinha contraído o vírus das duas rodas – e isso já vão lá dez anos, tendo o trânsito mudado muito (para pior, claro) desde então – a gente (os motoristas de carro) costumava à primeira sirene dar passagem de um jeito ou de outro, furando o semáforo, subindo na calçada, buzinando ao da frente que roncava ao volante, xingando os de roda para sair. Era um desespero coletivo, lindo de se ver. Afinal, o que estava em jogo era uma vida...
Ultimamente – e repito, é a segunda vez que vejo essa prática só nesta semana – parece que ninguém mais se importa. A única coisa que parece estar em jogo é a individualidade, o egoísmo, egocentrismo: “O quê? Sair da frente eu e perder meu lugar prá outro que virá atrás da ambulância? Não mesmo!”, “Hein? Passar o sinal fechado e ser multado por um “azulzinho” fdp? Mas nem pensar!!!”, “Lá, lá, lá, lá, lá... Báh! Show essa música de estourar os tímpanos!!! Legal também que eu tenho ar-condicionado e posso ficar tranks com minha música e meus vidros lacrados...”, “Alô? Quem? Mãe? Não... To no trânsito mãe... Agora não posso falar... Hein? Sim... É verdade! A fulana? Foi, foi... Pois é, tu vê! Falando nisso, sabes que...”, “Caceta... Outra ambulância! Vá si...”.
Mas dessa vez o desenrolar foi diferente...
Saiu do meu lado um motoqueiro (motociclista, pros que insistem em achar que há diferença) com sua pequena CG velha, daquelas caindo aos pedaços e sem cor definida, passou o sinal que eu estava parado e foi lá se embretar no meio dos carros. Passou à frente da ambulância e começou a buzinar, acelerar, dar “estourinhos” e só faltou chutar alguns que insistiam em não se mover. Resultado? Saíram do lugar, com medo pela integridade de seus retrovisores - afinal era um motoqueiro que estava “mandando” dar passagem à ambulância, e esses caras, você sabe, né meu amigo motorista? (nesse momento o que estava falando ao telefone percebe o mundo em volta), é tudo louco – e a ambulância pode finalmente seguir seu caminho.
Ele, ao contrário do que alguns poderiam imaginar (claro, que estes não estão lendo esse “blog”), assim que a ambulância se foi, ficou ali, parado, esperando o sinal abrir, a sua vez. Por um momento ele e sua moto me pareceram maiores. Aquela CG era agora maior que a minha big trail. Passei por ele quando o trânsito andou. É... Realmente ele e a moto estavam maiores agora.
Eu não sei quem estava dentro da ambulância. Ele também não sabia. Eu não sei se o paciente “chegou à tempo” ao hospital. Ele, com certeza também não sabe. Mas uma coisa eu e ele sabemos: minutos, segundos - e às vezes até frações desses - fazem grande diferença quando estamos em cima de uma moto. Uma vida estava
Quando sobre a moto - ou não - faça que nem aquele motoqueiro e respeite não só a sua, mas todas as vidas! Você não está só nesse mundo.